Governo Bolsonaro: Por que se afastar da China pode ser um baita tiro no Pé

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Com informações Vice

Ao se alinhar aos Estados Unidos e negar a importância dos chineses, futuro presidente do Brasil pode perder bilhões de reais em exportação de soja.

A saída de mais de oito mil médicos cubanos do Brasil é até agora a consequência mais visível das bobajadas ideológicas do futuro presidente Jair Bolsonaro. Mas calma: ainda tem muita ficha ruim pra cair a partir do ano que vem. A principal delas envolve a soja, nosso principal produto de exportação. Mais uma vez por bravata ideológica – por crer que os principais importadores, os chineses, são comunistas –, o governo bolsonarista pode botar tudo a perder.

Na escala de importância na tabela de exportações brasileiras (aka money, money, money), a soja já ultrapassou materiais historicamente mais vendidos, como os minérios. Em 2016, nós vendemos mais de US$ 19 bilhões em soja. O minério de ferro ficou em segundo, com US$ 14 bilhões, dizem os gráficos do Observatório da Complexidade Econômica.

Quem mais compra nossa soja, adivinhe só, são os chineses. Fechamos 2017 com mais de 80% da nossa soja compradas por eles, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. E aí que começa nosso problema a partir de 2019: Bolsonaro não gosta nada da China (esses comunistas!), como deixou claro em março, ao visitar Taiwan, província desafeta dos chineses.

Durante toda sua campanha, assim como nos discursos pós-eleição, Bolsonaro e Paulo Posto Ipiranga Guedes deixaram claras suas apostas: querem mudar o eixo e alinhar Brasil ao Tio Sam, que não esconde sua vontade de excluir a China de muitos negócios.

Pois é: por mais que não vivamos mais a Guerra Fria, os Estados Unidos não desistiram de brigar. Não há mais só a Rússia, há a China – que não, não é comunista, mas disputa o comércio global dólar a dólar com o império do Norte. Trata-se de uma guerra comercial. Um papo que se resolve no toma lá, dá cá: se um taxa um produto, o outro sobretaxa outro. E assim os dois países tentam quebrar elos pelo mundo e puxar a corrente para si.

Nesse processo, o Brasil não só não decide quem entra e quem sai da festa como não tem o menor poder de decidir sobre ele mesmo permanecer no baile. Embora seja uma grande fronteira agrícola do mundo, nosso país não é o único a exportar o grão que serve como base para tofu e vários alimentos animais. Outros países da América como Paraguai, Argentina e os próprios Estados Unidos também são grandes produtores. Com a guerra comercial, por enquanto a China mantém uma sobretaxa sobre o grão estadunidense. Isso está beneficiando o Brasil, que consegue vender tudo o que produz a bons preços. Porém, para nosso azar, os silos do Norte estão abarrotados, com soja começando a apodrecer.

Amigos, amigos, negócios à parte

Só esse fator de não haver espaço para nossa soja já tem o poder de jogar areia nas festivas trocas de posts sorridentes entre Jair Bolsonaro e Donald Trump. Mas o sistema é foda, parceiro, e ele não é feito apenas de tuítes e correntes fantasiosas anticomunistas no zap. Na hora de encarar os números da balança comercial, no que está incluído o lucro previsto dos fazendeiros deste Brasilzão de meu deus, não tem talquei que resista.

Em agosto deste ano, a plataforma Trase lançou um documento inédito com detalhes que conectam os fluxos de produção agrícola da origem ao destino. É o Anuário Trase 2018. O objetivo é monitorar as cadeias produtivas das mais importantes commodities agrícolas na América Latina e a sua relação com o desmatamento tropical, desenhando aquelas linhas invisíveis sobre o mapa-múndi de um jeito que a gente consegue ver onde elas são plantadas, quem compra e quem vende. O foco do trabalho é a soja brasileira.

Entre 2005 e 2016, mais de mil empresas exportaram soja do Brasil. Bem-vindos ao capitalismo: no último ano desse gráfico, já não tinha pra mais ninguém. Seis empresas transnacionais já haviam dominado o mercado e são até agora responsáveis por 60% das exportações de soja do país necessariamente nesta ordem: Bunge (EUA), Cargill (EUA), ADM (EUA), COFCO (Holanda), Louis Dreyfus (Holanda) e Amaggi (Brasil, da família de Blairo Maggi). Juntas elas compraram do Brasil e venderam para fora mais de 36 milhões de toneladas em 2016.

Olhando assim, parece acertado que nossa economia esteja mais voltada para os Estados Unidos, afinal, é lá que estão nossos maiores compradores da nossa maior commodity, certo? Errado. Primeiro porque empresa transnacional não é patriota, é lucro acima de tudo e de todos. Segundo porque quem compra delas o que elas compram da gente é a China, que fica com 60% de toda a soja do mundo todos os anos e que ainda está longe do teto. A nova fase globalizada do capitalismo quer saber de preço e não de continência para bandeiras.

O boicote chinês é só o começo

Se antes eram seus eleitores que votavam em Bolsonaro torcendo para que ele não fizesse as coisas que prometeu, agora quem dança nessa toada é o mercado. No início de novembro, o presidente da Câmara de Indústria e Comércio Brasil-China, Charles Tang, confirmou que seu país colocou o Brasil em stand by. Seus empresários estão desconfiados das declarações do presidente eleito e não se sentem bem-vindos no Brasil de Bolsonaro.

Levantamento da Associação de Comércio Exterior do Brasil mostra que as commodities agrícolas geram cerca de 40 mil empregos. E, além da soja, a China tem uma carteira variada de investimentos em diferentes setores por aqui. Tá tudo parado à espera das decisões a partir de janeiro.

Para o economista do Dieese, Maurício Mulinari, esse é um claro sinal das contradições que atravessarão o novo governo. “Ele não tem como colocar suas bravatas em prática ou seria a destruição do setor latifundiário brasileiro. Hoje o que ainda salva a nossa economia é a balança comercial”, pondera. “Bolsonaro precisará de mais objetividade nas suas relações comerciais com a China, mas a tendência é um aprofundamento da crise”, completa.

A avaliação é corroborada pelo professor Nildo Ouriques, titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSC e presidente do Instituto de Estudos Latino-americanos da mesma universidade. A ultradireita defendida por Bolsonaro tem no livre mercado sua maior bandeira e acha que pode simplesmente acordar de manhã e decidir que não quer mais negociar com a China e com “esquerdistas” e que vai lacrar no mundo com isso.

“Mas a norma não é o livre mercado, é o protecionismo. Do contrário não precisaríamos de acordos internacionais, ele aconteceria naturalmente”, ressalta. “É só observar o que aconteceu com o Mercosul. Bolsonaro falou bobagem, no outro dia o dono da Ford ligou pra ele e pronto. Ele já voltou atrás.”

Para Bernardo Kocher, professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense, Bolsonaro deverá enfrentar um aperto econômico crescente até o final do seu mandato. Sua truculência não é novidade, mas a agenda liberal está mais forte no seu discurso há mais ou menos 10 anos e ele ainda não sabe muito bem o que fazer com ela. “De manhã ele fala uma coisa, à tarde outra e à noite é capaz de estar falando uma terceira. E nenhuma delas são viáveis. São apenas da vontade dele e isso nos expõe. Ele formula uma política externa sem força que ainda faz referência à Guerra Fria”, explica. “Ele não propõe nada relevante aos interesses nacionais.”

O alinhamento com os Estados Unidos, tão desejado pelo eleito, não tem como passar de meramente simbólico, aposta Kocher. Materialmente, a economia protecionista estadunidense não tem nada a nos oferecer. Não tem interesse em comprar a soja que porventura a China deixaria de comprar. “O que nos resta é a China e a sua imensa demanda. Estamos caindo no ridículo”, avalia Kocher. “E eu duvido que os países árabes, por exemplo, não irão refletir se vale a pena renovar contratos ou procurar novos fornecedores, já que a política brasileira está voltada para uma guinada que não é prática.”

Já para o professor Carlos José Espíndola, do departamento de Geociências da UFSC, a guinada é mais do que simbólica. A nomeação de Ernesto Araújo para as Relações Exteriores é um exemplo do quanto o alinhamento com os Estados Unidos é uma submissão real e potencialmente desastrosa. “Com o domínio do sistema financeiro mundial, os Estados Unidos poderão alterar as taxas de câmbio prejudicando as exportações brasileiras e levando empresas a prejuízos para facilitar sua desnacionalização”, explica. “O Brasil precisa ampliar ainda mais os seus mercados externos. Após deslocar o Japão, a antiga União Soviética e Europa, os Estados Unidos pretendem deslocar a China e isso não é bom para o Brasil. Só para o imperialismo norte-americano.”

Em uma reportagem do New York Times, um diplomata brasileiro que não quis se identificar afirmou que há divergências na equipe de Bolsonaro e que a condução da relação com a China dará o tom do seu governo. Enquanto isso, em uma entrevista para a Reuters, o embaixador Tang deu o seu recado: “em um eventual gelo entre Brasil e China, certamente quem vai sofrer não é a China”.

Climão internacional

O governo de Bolsonaro tem tudo para ser uma catástrofe para o meio ambiente e disso ninguém duvida. Mas são as fichas das consequências na economia que ainda estão caindo.

A DowDuPont, maior empresa química do mundo especializada em produtos agrícolas e que tem no Brasil um dos seus grandes mercados de sementes, está com dificuldade para conseguir aprovação da China para uma nova variedade de soja transgênica. Cooperativas brasileiras também já encontram dificuldades de certificação da sua soja para exportação.

Entre os motivos, estão acordos ambientais internacionais. O mercado mundial não quer assumir a responsabilidade pelo desmatamento tropical. O Anuário Trase detectou que 60% da soja produzida no Cerrado foi produzida em propriedades que excederam o limite legal para a conversão de terras em lavouras. A situação mais crítica é no Matopiba, região de encontro entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia..

A futura ministra do Meio Ambiente, Tereza Cristina, é a grande defensora do PL do Veneno, que visa flexibilizar a legislação de agrotóxicos no país possibilitando inclusive o uso de produtos que já estão proibidos há anos no resto do mundo. Nas Relações Exteriores, Edson Araújo afirma que aquecimento global é um dogma ideológico da esquerda. E na presidência, temos Bolsonaro, que vê na Amazônia uma mercadoria, na conservação um entrave, chama a fiscalização ambiental brasileira de xiita, promete retroceder a legislação para o meio ambiente e retirar terras de indígenas e quilombolas.

Para os especialistas da Trase, com planejamento, responsabilidade e gerenciamento de riscos, é possível apostar na expansão do agronegócio com baixo ou nenhum desmatamento e essa é uma oportunidade estratégica para o Brasil se posicionar no mundo. Entregamos essa oportunidade nas mãos de um mito.


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