OPINIÃO: Bolsonaro cai no conto do “Universitário Esquerdista” e atira na própria base

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Que há uma sucessão de equívocos políticos no governo Bolsonaro, não há como negar. Contudo, a falta de estrategistas políticos no núcleo duro bolsonarista leva a erros dignos dos piores momentos do Governo Dilma.

Vejam o caso dos cortes na educação. Num primeiro momento, o tal corte seria um instrumento de pressão a todas as instituições de ensino federais que se manifestaram como polos mais aguerridos contra o governo e suas ideias, seja na campanha ou no início do mandato. São os promotores das “balbúrdias”. Medida totalmente inconstitucional, ferindo diversos princípios constitucionais como o da moralidade pública, da impessoalidade, a liberdade de expressão, etc.

Sem critério claro ou suporte legal, alguém no governo, provavelmente do feudo da Economia, teve a brilhante ideia de reciclar a iniciativa moribunda, ampliando esse corte a todas as universidades e institutos da rede federal, transformando a situação em um ponto de pressão para a aprovação da Reforma da Previdência. Vejam, a tática poderia ser brilhante, já que Bolsonaro não é tão popular nas universidades federais. Entretanto, e no que diz respeito aos institutos federais? Talvez o promotor da ideia nem saiba da existência desses institutos. Hoje são diversas instituições (institutos federais, cefets, colégios federais) que compõem a chamada rede federal de ensino, representando “centros de excelência”. Atuam “desde o ensino técnico de nível médio até a pós-graduação, no desenvolvimento de programas de extensão, divulgação científica e tecnológica, além de realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo e o cooperativismo”. Juntas cobrem hoje 80% das microrregiões do país.

A expansão da rede federal de ensino e das universidades talvez seja um dos poucos legados da era petista imune à críticas. Por bem da verdade, a administração petista conseguiu a proeza de capilarizar consideravelmente a rede, estendendo-a a diversos cantos do país. E aqui está “O Tiro No Pé’ do Bolsonaro.

Para melhor esclarecer, pensemos juntos o seguinte: qual seria o problema para um governo ou político e dirigir um ataque à corporações de nível nacional? Justamente o fato de serem nacionais. Se você desagrada a polícia, automaticamente você terá milhares de policiais espalhados pelo país lhe criticando ou a seu governo, pra dar um exemplo prático. E esta seria uma crítica devidamente capilarizada. Portanto, com um grande potencial de desidratar rapidamente a sua popularidade. Não são críticas que se limitam a um espaço territorial, mas que ressoam igualmente tempo por todo o país.

Esse também é o caso da rede federal de ensino. Embora não seja uma corporação, é uma rede, composta principalmente pelas universidades, mas não somente; e que se espalham por todo o país.

No processo educacional não há somente “universitários esquerdistas identitários” que, por serem barulhentos, embora minoritários, dão a impressão de serem absolutos nas instituições de ensino. Eles geram para o público de fora, que não vive esse ambiente, um estereótipo que não corresponde a realidade.

As instituições de ensino refletem um recorte da sociedade, e terá ali diversos setores representados, com suas diversas ideologias e culturas. Vai do rico ao pobre, do progressista ao conservador, do ateu ao evangélico, da esquerda a direita, passando por um mar de centro não-politizado, como é na nossa sociedade atual.

Além disso, o referido processo não envolve apenas os alunos e universitários, envolve também professores e envolve os pais e responsáveis pelos alunos (muitos os quais se sacrificaram para que seu filhos estivesse naquela instituição). Sem contar os funcionários, zeladores, agentes de limpeza, técnicos administrativos e afins, que tocam o funcionamento da instituição e a maioria passa longe de disputas ideológicas.

Será que alguém dentro do Governo não percebeu que o Bolsonaro teve, sim, votos dentro desse complexo universo? Claro que teve. Fotos de alunos de ensino médio fazendo a famosa “arminha de dedos” dentro das instituições federais viralizaram nas redes. Diversos cursos na universidade se transformaram em verdadeiros polos de bolsonarismo, dentro do ambiente universitário. O fenômeno de sua candidatura conseguiu criar uma identidade pró liberal e uma identidade conservadora que invadiram todos os espaços dentro da nossa sociedade.

Quando você corta 30% das verbas dessas instituições, um corte robusto, perfeitamente legível a qualquer observador tendo em vista seu tamanho, você não afeta apenas o esquerdista identitário, ou o “professor comunista”, você ataca todo esse universo de pessoas. Isto é, no fim, você afeta toda a sua própria base de apoio que está inserida dentro desse processo, esta fica sem argumento frente a seus pares diante de algo que lhes é próprio e que os afeta.

A educação talvez seja o único tema que ainda seja unanime para a população brasileira. Ela precisa de investimentos e melhorias! E um corte, inicialmente fruto de picuinha ideológica, parece ter atingindo de cheio a todos.

O fenômeno de “bolsominions arrependidos” volta a fazer uma nova onda, que pode aumentar o índice de rejeição do Bolsonaro. Essa jogada do governo fez emergir críticas capilarizadas de nível nacional. Não é nenhum absurdo pensar que todo cidadão brasileiro conheça alguém que será afetado por esses cortes, nem que seja o filho de uma vizinha, ou o amigo de alguém que trabalha na limpeza… O corte na educação foi um tiro que acertou a própria base de sustentação do Governo Bolsonaro.

Falta quem pense no governo de forma global e macro. A estratégia de ilhas de superministérios leva o governo a correr esses riscos. Uma decisão ideológica que virou uma decisão econômica, mas que em nenhum momento passou pelo crivo da política.

Caíram no conto do estereótipo e agora amargam péssimos resultados.

Fernando Mendonça


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