Macron, “ecocídio” e esquizofrenia neocolonial francesa

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Alerta Científico e Ambiental – Vol. 27 – nº 25 – 02 de julho de 2020.

Na segunda-feira 29 de junho, o presidente francês Emmanuel Macron anunciou que apoia a tipificação do crime de “ecocídio” no Direito Internacional, aplicável aos líderes de países que “destroem” ecossistemas, em ostensiva alusão ao Brasil.

A afirmativa foi feita em uma reunião, no Palácio do Eliseu, com os 150 integrantes da Convenção Cidadã pelo Clima, grupo estabelecido no ano passado, na esteira das manifestações semanais dos “Coletes Amarelos” (Gilets jaunes), e encarregado por Macron de definir uma série de medidas para a obtenção de uma redução de 40% nas emissões de gases de efeito estufa na França, até 2030, comparadas aos níveis de 1990, “em um espírito de justiça social”.

A Convenção Cidadã pelo Clima é um grupo criado pelo presidente francês Emmanuel Macron encarregado de definir medidas para redução de emissão de gases de efeito estufa na França

Deve-se recordar que a Convenção está longe de ser uma organização de “cidadãos” isentos, alegadamente, escolhidos de forma aleatória. O seu comitê de governança é copresidido por Laurence Tubiana, presidente e diretora-executiva da European Climate Foundation (ECF), e Thierry Pech, diretor-executivo da Terra Nova, think-tank ligado ao Partido Socialista francês e próximo das posições de Macron, dupla que controla a agenda e as discussões, direcionando-as no rumo desejado. E a ECF é uma das principais fundações privadas engajadas na promoção da agenda dos “negócios climáticos”, abraçada pelos socialistas franceses e por Macron, ele próprio, ex-membro do partido (ver Alerta Científico e Ambiental, 07/05/2020). Ou seja, qualquer semelhança com a agenda da “financeirização” das questões ambientais, que este Alerta tem acompanhado, também não é mera coincidência.

Depois de assegurar aos engajados cidadãos a sua intenção de estudar a maneira de o conceito ser incluído no Direito francês, Macron recordou ter sido um dos primeiros a usar a expressão “ecocídio”, “quando a Amazônia queimava, há alguns meses”. E completou: “Eu compartilho plenamente a ambição que vocês defendem, a emoção de vocês face a atores que, conscientemente e com toda impunidade, destroem voluntariamente ecossistemas inteiros” (Valor Econômico, 29/06/2020).

A legalização do conceito é uma das principais propostas apresentadas pela Convenção, que inclui a determinação de “limites planetários” e criação de uma “Alta Autoridade de Limites Planetários”, para garantir a implementação correta da lei (ver abaixo) – cenário mais adequado a um roteiro distópico de Hollywood do que às necessidades reais de um mundo virado pelo avesso pela pandemia de covid-19.

O discurso do presidente francês corresponde às preocupações de agricultores franceses, alemães e europeus com possíveis perdas resultantes da proposta de acordo entre a União Europeia e o Mercosul.

A anuência de Macron aos delírios distópicos da Convenção se dá no contexto da surpreendente vitória de candidatos “verdes” no segundo turno das eleições municipais francesas, realizadas na véspera, em várias cidades importantes, em meio a um comparecimento historicamente baixo dos eleitores, tanto por receio da pandemia como pelo desencanto com o sistema político. Entre outras, o partido Europe Ecologie-Les Verts (EELV) venceu em Lyon, Bordéus, Estrasburgo, Besançon, Poitiers, Annecy e Tours.

Ademais, a investida também responde às crescentes pressões dos setores produtivos agropecuários franceses e alemães contra o acordo entre a União Europeia e o Mercosul, para os quais os pretextos ambientais, tendo como foco a imaginária “devastação” da Amazônia, caem como uma luva.

E, no frigir dos ovos, trata-se de mais uma demonstração da atávica esquizofrenia das elites dirigentes francesas, tão ciosas do nacionalismo e da soberania no âmbito interno e, às vezes, europeu, sem, por outro lado, descartar uma antiga inclinação neocolonial em relação aos países que consideram o “Terceiro Mundo” – expressão, recorde-se, criada pelo demógrafo francês Alfred Sauvy.

É sempre conveniente lembrar que as “preocupações” dos líderes gauleses com a Amazônia remontam ao início da ofensiva “verde-indígena” contra o Brasil, no final da década de 1980. Já em 1989, o então presidente François Mitterrand e seu chanceler Michel Rocard falavam em soberania “relativa” ou “parcelada” do País sobre a região. Em 2005, o então comissário de Comércio da União Europeia, Pascal Lamy (depois, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio), disse sem rodeios que a Floresta Amazônica e as demais florestas tropicais deveriam ser consideradas como “bens públicos mundiais” e submetidas a uma gestão coletiva da comunidade internacional.

O crime de “ecocídio” é dirigido para o público francês e europeu, mas o alvo é a Amazônia brasileira.

Igualmente, foi o governo de Mitterrand que apresentou formalmente, em 1989, ao Fundo Monetário Internacional (FMI), a proposta de criação de um “banco mundial de conservação”, para vincular as negociações das dívidas externas e empréstimos aos países em desenvolvimento à agenda da “proteção” do meio ambiente. Colocado sob os auspícios do Banco Mundial, o projeto foi concretizado dois anos depois, na forma da Instituição Ambiental Global (Global Environmental Facility), depois convertida em agência independente sob o nome Fundo Ambiental Global (com a mesma sigla, GEF). Entre outras atribuições, o GEF atua como mecanismo financeiro para a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), encarregada de implementar a politização e peça-chave da “financeirização” da agenda climática internacional (ver nota anterior).

Em síntese, a diplomacia brasileira precisa entrar em “alerta vermelho” diante de tais manobras, que manipulam os delírios distópicos do aparato ambientalista internacional em prol de interesses políticos, econômicos e financeiros. Dificilmente, o “bom comportamento” pregado por muitos no País, poderá ser a melhor resposta ao desafio, que exige uma efetiva harmonização de interesses e agendas entre o governo, a diplomacia e os setores produtivos e acadêmicos nacionais.

A biosfera e nossos ecossistemas funcionam graças à interação de diferentes fenômenos. A atividade humana nos leva a atingir os limites desses fenômenos, ciclos e ecossistemas.

“Ecocídio” segundo a Convenção Cidadã pelo Clima

Nota dos Editores: A seguir, reproduzimos integralmente a proposta da Convenção Climática Cidadã sobre a tipificação do crime de “ecocídio”.

Essa travessia pode nos levar a um “ponto de inflexão” caracterizado por um processo irreversível de extinção de espécies e pela generalização de desastres climáticos prejudiciais à humanidade.

Por exemplo, quando a biosfera é danificada, sua erosão afeta o clima. A cobertura vegetal e o solo não assumem mais seu papel crucial de regulação direta do clima, além do armazenamento e reciclagem de carbono. O desmatamento leva ao desaparecimento local permanente de nuvens e chuva. A perda de plâncton marinho interrompe a bomba de carbono do oceano.

Nossa ambição é desenvolver nossa lei para que o judiciário possa levar em conta os limites planetários. A introdução de novas formas de responsabilidade, particularmente criminal, permitirá que juízes e autoridades públicas avaliem a periculosidade de uma atividade industrial com base nos valores-limite determinados. A definição de limites planetários permite estabelecer uma referência para quantificar o impacto climático das atividades humanas. A aprovação de uma lei que protege os ecossistemas torna possível reconhecer o ecocídio e penalizar os danos aos ecossistemas.

Para atingir esses objetivos, propomos adotar uma lei que proteja os ecossistemas da degradação e destruição, colocando responsabilidade legal e financeira nos autores das depredações. Esta lei integraria:

Os nove limites planetários definidos pelo MTES (mudança climática, erosão da biodiversidade, interrupção dos ciclos biogeoquímicos de nitrogênio e fósforo, mudanças no uso da terra, acidificação do oceano, uso global da água, esgotamento ozônio estratosférico, aumento de aerossóis na atmosfera, introdução de novas entidades na biosfera) [MTES é a sigla do Ministério da Transição Ecológica e Solidária – n.e.];

A criminalização do crime de ecocídio;

O dever de vigilância;

A ofensa da imprudência.

A criação de uma Alta Autoridade de Limites Planetários (HALP, na sigla em francês), a fim de garantir a implementação correta da lei, declinou nas Altas Autoridades Regionais de Limites Planetários (HARLP).

Com informações Bonifácio.net


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