Piterson Hageland – A volta daquele que não foi

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O iminente ex-governador da unidade federativa do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, é uma das maiores aberrações que expugnaram o quadro político do Brasil no último sufrágio. Durante a jornada em busca de obter o comando do Palácio Guanabara, o antigo juiz do Tribunal Regional Federal da 2ª Região era uma criatura desconhecida e absolutamente irrelevante no litígio eleitoral. Porém, logrou êxito ao vincular sua imagem aos principais rizomas do neoliberalismo, fazendo uso de incinerações banais e de aforismos demagógicos no intuito de hostilizar os outros sevandijas e iludir a sociedade; apoiando uma série de barbaridades provenientes do fanatismo religioso e participando de atos ilegais e verecundos contra opositores ideológicos de forma rancorosa e maledicente. Tantos desatinos foram maquinados sobre dois elementos de quinta-coluna hiperbolicamente venerados pela direita brasileira: o panteão de magistrados bazófios que a Operação Lava Jato configurou, e a horda neoconservadora que irrompeu em função do bolsonarismo.

Sim, esse é todo o “conhecimento sociopolítico” deste manirroto que, apesar da incapacidade de mostrar a que veio, triunfou no certame para o ofício de líder do Poder Executivo fluminense. Verdade seja dita, os adversários mais expressivos também não fascinavam a população do Rio de Janeiro, sobretudo Eduardo Paes. O sexagesimo oitavo prefeito carioca — em termos somatográficos — não foi associado pelas circunscrições judiciárias aos delitos de Sérgio Cabral Filho, hóspede do Palácio Laranjeiras entre 2007 e 2014 e do Complexo Penitenciário de Gericinó a partir de 2018; todavia, era aliado incondicional do empreendedor das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e que terminou sentenciado a quase trezentos anos em regime fechado por branqueamento de capitais, formação de quadrilha, evasão de divisas e corrupção passiva.

A situação promíscua de Sérgio Cabral Filho ilustra com nitidez o que vem ocorrendo com a pildra de vigaristas que fingiram governar o território estadual fluminense. Todos os seis pústulas ainda vivos que obtiveram sucesso nos pleitos que concorreram (Wellington Moreira Franco; Anthony Garotinho; Rosinha Matheus; Sérgio Cabral Filho; Luiz Fernando Pezão e Wilson Witzel) já atravessaram os pavilhões do cárcere. Aliás, essa batelada de detenções também simboliza o Rio de Janeiro contemporâneo: um lugar profundamente desorganizado nas instâncias fiscais; com a economia arruinada e os serviços primários estilhaçados; socialmente falido e dominado pela violência das facções criminosas e das injustiças que permanecem reverberando ao longo dos séculos.

Embriagado pela doutrina do pistoleirismo neoliberal que o fez vitorioso em 2018, Wilson Witzel procurou maneiras de ultrapassar até mesmo Jair Bolsonaro como o sujeito mais estúpido, negligente e asqueroso do Brasil. O trigésimo oitavo Presidente da República o amparou e foi responsável inconteste por sua condução ao posto de Governador do Estado do Rio de Janeiro. Tal como o seu menecma, Witzel não apresentou programas de desenvolvimento social, político e econômico; demonstrou não entender uma vírgula sequer de administração pública e, como os fatos já exibiram, sempre agiu de má-fé. Seu legado como senhor de engenho fluminense são meras declarações vazias e conflitos inúteis com o objetivo de atrair os holofotes da mídia por imaginar que esse oceano de farfalhadas iriam transformá-lo no próximo comensal do Palácio da Alvorada.

O colapso da figura de Wilson Witzel também significa o início do desmonte da farsa intitulada de “Nova Política”. O discurso que levou toda essa corja de infradotados aos palácios e assembleias do Brasil clamava pela renovação moral da atmosfera pública, mas agora definha por causa das mesmas indecências e promessas não cumpridas que juravam abominar nas gestões da “Velha Política”. Witzel, que provavelmente depositou fé na abstração de que era um “soldado ungido e enviado pelo Deus de Israel com a missão de resgatar o povo brasileiro”, terá de esclarecer ao júri por quais motivos o seu nome aparece envolto às trevas.

O cartão-postal do Rio de Janeiro no Século XXI é uma pintura fúnebre e conspurcada. A gravidade e a amplitude da força-tarefa que retirou a faixa governamental de Wilson Witzel também capturou outros marginais conectados ao neopentecostalismo, tais como o pastor Everaldo Dias Pereira, dirigente máximo do Partido Social Cristão (PSC) — onde Witzel encontra-se filiado — e assecla do famigerado Eduardo Cunha em uma miríade de subtrações nos bens públicos estaduais. Além disso, a Operação Placebo identificou uma fraude hedionda nos vértices da saúde fluminense ao observar que as cifras disponibilizadas para socorrer as vítimas da peste do COVID-19 foram desviadas. Tamanha atrocidade reflete a miséria cíclica que trespassa o segundo pólo econômico do Brasil, dilacerado por gangues que interpretaram a região como um simples armazém fadado à espoliação perpétua.

Assim como os demais alcoviteiros supracitados, Wilson Witzel é aquele típico facínora que deveria ser macerado em um patíbulo. Entretanto, as leis brasileiras proíbem a aplicação de tais punições, e qualquer influxo à subversão dos códigos jurídicos precisa ser reprovada categoricamente. Portanto, aclamar a defenestração monocrática que Witzel sofreu torna-se um paradoxo. O êxule não foi intimado a prestar explicações em um julgamento sistêmico, fora que os autos do processo não haviam sido liberados à sua defesa. Não obstante a isso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) expediu, mediante ilações, uma ordem de prisão contra o togado de direito sinuoso.

Que fique bastante claro o seguinte, até para que distorções não intervenham: a destituição de Wilson Witzel seria um evento completamente auspicioso para a sociedade fluminense. Nenhum cidadão que possua as faculdades mentais bem dispostas sente-se representado por um obtuso dessa espécie. Contudo, isso não pode acontecer sem o veredicto de uma turma forense em uma audiência devidamente convencionada. É fundamental que as acusações sejam rigorosamente constatadas a fim de garantir que Witzel irá responder pelas infrações que cometeu. Em uma ótica que vislumbra a moralidade da política nacional, esse é um destino icástico para os defraudadores da pátria, independentemente da esfera. O bom funcionamento das instituições da República e de seus procedimentos estatutários necessitam ser resguardados; pouco interessa o futuro de Witzel. A palavra “justiça” não é sinônimo de “desagravo” — e a justiça histórica no Brasil é tão rara quanto a divina.

Autor do Texto: Piterson Hageland — Jornalista literário no segmento metapolítico e sociocultural. Pesquisador de assuntos históricos, filosóficos e aspectos econômicos do Brasil e da Ásia Oriental. Colaborador de periódicos geopolíticos e podcasts. Tradutor, locutor e dublador ocasional. Membro da Ordem dos Jornalistas do Brasil (OJB).

 


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