No rentismo parasitário, não sobra nem mesmo arroz

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Por Eduardo Pessine, revisão de Flávia Nobre

Em 1903, um médico nascido em Aracajú escrevia estas palavras sobre a situação dos países latinoamericanos:

“Sofremos todos os males, desvantagens e ônus fatais às sociedades cultas, sem fruirmos quase nenhum dos benefícios com que o progresso tem suavizado a vida humana. Da civilização, só possuímos os encargos: nem paz, nem ordem, nem garantias políticas; nem justiça, nem ciência, nem conforto, nem higiene; nem cultura, nem instrução, nem gozos estéticos, nem riqueza; nem trabalho organizado, nem hábito de trabalho livre, muita vez, nem mesmo possibilidade de trabalhar; nem atividade social, nem instituições de verdadeira solidariedade e cooperação; nem ideais, nem glórias, nem beleza…”

Era Manoel Bomfim, em seu livro América Latina: Males de Origem. Nesta obra, o autor trata do “parasitismo social” a partir do qual as nações ibéricas enriqueceram-se – através da pilhagem das riquezas naturais e humanas deste continente. Sua leitura de nossa realidade, apesar de fortemente nacionalista e crítica, ainda estava imersa na ingenuidade científica da época, mas apontava para uma compreensão muito certeira da posição do Brasil e da América Latina no capitalismo mundial: o desenvolvimento tardio e desigual que nos condenaria ao capitalismo dependente e rentístico.

Aqui reina a superexploração e as “perdas internacionais” – não somos para si, mas para os países centrais, compensando as quedas nas taxas de lucro de suas burguesias através do “moinho de gastar gente”, como dizia Darcy Ribeiro. O mundo moderno e liberal só vem a nós em sua face mais brutal e sangrenta, enquanto desfrutam de suas benesses a podre burguesia interna do Brasil, que sofre do viralatismo e nem mesmo dorme sobre solo nacional. Preferem Miami.

A grave situação brasileira que, como apontamos nas últimas análises, está a beira de um caos social – adiado entretanto, pelo auxílio emergencial de meros R$ 600, porém farto na miserável realidade de grande parte de nosso povo – que pode estar se aproximando nos próximos meses. A brutal queda de 9,7% do PIB no segundo trimestre, somada à redução de 50% no auxílio emergencial nas próximas parcelas, além da recente disparada no preço de alimentos (a maior desde 1994, quando se instala a República Rentista com o Plano Real), poderá tornar insustentável o atual regime político. Teremos meses difíceis pela frente.

É evidente o completo apodrecimento da República Rentista: a escassez de alimentos em um país como o Brasil, farto de terras aráveis e com uma produção agrícola das maiores do mundo, evidencia como nunca nossa completa falta de soberania nacional e popular – e agora, alimentar! Sofremos, como afirmava tão certeiramente Manoel Bomfim, de um parasitismo feroz, não mais das nações ibéricas, mas do imperialismo estadunidense e seus satélites. As milhões de toneladas de alimentos produzidas com suor de nosso povo servem não para alimentar nossos trabalhadores, nossas crianças; servem para enriquecer meia dúzia de parasitas e traidores nacionais que enriquecem à custa da desgraça do país.

É preciso deixar claro: o agravamento dessa situação não é consequência de um governo – por mais fracassado e degenerado que seja, como o atual – mas é, na realidade, de nossa posição no sistema capitalista mundial! Enquanto nossa economia e os rumos do Brasil continuarem subordinados ao capitalismo dependente, não há saída para nosso povo senão a miséria e o calvário das desgraças mais brutais que o capitalismo tem a oferecer. Só desfrutaremos dos benefícios antes citados por Manoel Bomfim com uma luta de libertação nacional que rompa com as bases do imperialismo e traga a verdadeira soberania nacional.

E isso só será possível com o abandono das ilusões liberais e democráticas – abandonar o bom-mocismo e a defesa do atual regime político e da falsa “democracia”. Uma democracia que não é capaz nem mesmo de alimentar nosso povo! É uma farsa completa!

“Quando as vespas parasitas se introduzem num cortiço, acabam muitas vezes aniquilando-o: elas não fazem mais que piratear sobre o trabalho das laboriosas abelhas e viver à custa deste trabalho; mas a colméia, obrigada a um excesso de despesa, precisa duplicar a tarefa; fatigam-se as pobres operárias, que, no entanto, passam a alimentar-se menos, porque o melhor do mel é roubado; e devido a estas duas causas – excesso de trabalho e deficiência de alimentação – debilitam-se de mais em mais as abelhas, adoecem umas após outras, e o cortiço se vai despovoando; em breve está extinto.”

Nossa burguesia interna é como as vespas de Manoel Bomfim: enriquecem às custas do árduo trabalho de nosso povo, até que não reste nem mesmo alimento para seu próprio sustento. E a extinção do Brasil só será evitada se expulsarmos as vespas – junto a quaisquer outros parasitas.

Com informações Nova Margem


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