O neoliberalismo em pane

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Por Alfredo Serrano Mancilla, via CELAG, tradução de Eduardo Pessine, revisão por Flávia Nobre

A pior coisa para um momento presente é quando sequer podemos imaginar seu futuro. Isso é, justamente, o que está ocorrendo com o neoliberalismo. Vive um presente extremamente complicado, que se agrava ainda mais pela sua incapacidade em traçar novos horizontes.

Após meio século de existência, o neoliberalismo enfrenta uma grande crise de idéias. Seu manual se tornou obsoleto.

A decadência sempre é um processo lento e, em muitas ocasiões, inaceitável para aqueles que a sofrem. O neoliberalismo vive seus meses mais complexos na América Latina. A pandemia de Covid-19 tem exposto muitas de suas debilidades, que até agora haviam sido “tapadas” com grandes campanhas de comunicação e com altas doses de “pós-verdade” (em outras palavras, mentiras). Veja, por exemplo, o que se passou no ano de 2008: a última grande crise econômica neoliberal foi reescrita como um problema de bolha imobiliária, e responsabilizou-se de todos os males os cidadãos, pelo excesso de endividamento. Sem embargo, esta vez, frente a atual Grande Depressão que vive o mundo, é praticamente impossível que possam novamente culpar-nos de tudo, apesar das tentativas. Neste momento há um grande consenso de que a culpa não reside no povo, mas o problema real está em um modelo econômico e social pouquíssimo preparado para enfrentar adversidades.

Todos os mitos neoliberais saltaram pelos ares justamente no momento em que o povo necessita enfrentar uma situação dramática. O neoliberalismo não consegue acertar com nenhuma de suas respostas habituais. Por um lado, esquece-se da economia real em prol do endeusamento da financeirização e, por outro, segue defendendo a ausência do Estado ainda que a cidadania latinoamericana demande pelo contrário. Segundo dados das pesquisas CELAG no último trimestre, na Argentina, 90% estão a favor de um Estado muito mais presente e ativo; e essa cifra chega a 70% no Chile, 60% no México e 75% na Bolívia.

O sentimento comum na região caminha em uma direção completamente oposta ao que defende a doutrina neoliberal. O imposto sob grande fortunas conta com grande apoio em muitos países da América Latina (76% na Argentina, 73% no Chile, 67% no México, 64% na Bolívia e 75% no Equador); e o mesmo ocorre com a renda mínima, a garantia da saúde e educação pública como direitos, frear as privatizações, suspender e renegociar o pagamento da dívida, etc. Além disso, na maioria dos países da região, a banca, os grandes meios de comunicação e o poder judiciário carregam uma imagem muito negativa.

A alienação dos políticos neoliberais em relação ao que pensa a população se traduz em muitas das fotografias que observamos na região nos últimos tempos. Piñera está sem saber o que fazer frente uma maioria que já começou o processo constituinte para transformar o Chile. Lenín Moreno acaba seu mandato quase sem nenhuma aprovação (11%) pela implementação do projeto neoliberal. Áñez segue empobrecendo a Bolívia, e logo nas próximas eleições, goza de pouquíssimo apoio (11%). Na Colômbia, o uribismo está em seu ponto mais baixo com seu expoente máximo sob ordem de prisão e sem capacidade para enfrentar a pandemia. Macri, atualmente de férias na Europa, jamais conseguiu construir uma hegemonia neoliberal na Argentina, e deixou uma economia em frangalhos. Bolsonaro carrega mais de 100 mil mortes por Covid-19 e mantém grande dificuldade em garantir a governabilidade e estabilidade política, econômica e social. E neste panorama de crise neoliberal, também devemos considerar o que ocorre no Peru, onde se fechou o Congresso no ano passado – e tem todos seus ex-presidentes condenados por corrupção – e no Paraguai, onde o presidente Abdo evitou o impeachment, acusado de ter vendido energia para o Brasil a preços baixíssimos.

O neoliberalismo está em pane, mas nega-se a desaparecer. Procura reciclar-se e oxigenar-se. Em outras palavras: está renegociando seu futuro, mas com uma grande dificuldade para traçar horizontes que convençam e entusiasmam. Entretanto, seria um grave erro subestimá-lo ou dá-lo como morto, pois conta com um grande poder estrutural que, seguramente, estará disposto a camuflar-se com idéias progressistas. O melhor exemplo é o FMI, que sem ter mudado sua composição “empresarial” tem agora um tom mais conciliador em matéria de dívida externa; ou o Banco Mundial defendendo programas de renda mínima; ou os multimilionários defendendo maiores impostos. São amostras inequívocas de que há uma tentativa de apropriar-se das idéias progressistas, impróprias do neoliberalismo. Seguramente para torná-las suas, as reformular, matizar, ressignificar. Isso já ocorreu diversas vezes na história: quando o capitalismo está com problemas, cede o suficiente para não perder o seu domínio.

Vivemos um período político de disputa na região, no qual o neoliberalismo está em pane porém tenta escapar de seu próprio colapso. O resultado deste dilema dependerá tanto da capacidade da matriz neoliberal em se reinventar, mas fundamentalmente de como o progressismo avance, implemente soluções certeiras e cotidianas ao povo, e gere novos horizontes de acordo com os novos tempos.

Com informações Nova Margem


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