Nacional-trabalhismo: reminiscências de signatário da Carta de Lisboa

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Por Paulo Timm

O ano de 1979, quando se realizou, em meados de junho, o Encontro dos Trabalhistas com Brizola, em Lisboa, para a refundação do Trabalhismo no Brasil, foi uma espécie de dobradiça do século. Ainda predominavam os ares do pós-guerra.

Jimmy Carter era o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), tendo a seu lado, como secretário de Estado Zbigniew Brzezinski (1928–2017) que já tramava a corrosão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) sob a inspiração teórica do “elo mais fraco” – a Polônia, logo o país que o vira nascer.

O mundo ainda se ajustava à primeira crise do petróleo do começo da década, a qual contribuíra para levar Margareth Thatcher ao poder na Grã-Bretanha a 11 de julho. A ela se somaria Ronald Reagan, ambos arautos do neoliberalismo, em 1981, impulsionando a era do “There Is No Alternative” – TINA, de predominância da financeirização do mundo.

No continente europeu, entretanto, o Pacto Social-Democrata ainda dominava, sob a égide da Alemanha e da França. Prova disso, a entrada em cena, em Portugal, como fator de estabilização interna, da figura de Mário Soares, do Partido Socialista.

Ninguém ainda sabia quem era Gorbachev, que no ano anterior, 1978, tornara-se secretário do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) para, só em meados de 1979, entrar para o Politburo e seis anos mais tarde, em 1985, vir a ser o chefe de governo de fato da URSS. A queda do império soviético era simplesmente impensável.

No Brasil assumiria João Batista Figueiredo, um general “tríplice coroado”, que prometia levar a cabo o processo de lenta, segura e gradual abertura democrática. Em entrevista de grande repercussão, ainda antes da posse, sobre o que faria com os renitentes que boicotavam a abertura, não tergiversou e ameaçou-os titanicamente: “Eu prendo e arrebento (com eles)”. Nunca prendeu ninguém…

No final do ano, acossado pela nova crise do petróleo, pela intensa mobilização popular, com a retomada das greves no ABC Paulista, Figueiredo enviaria ao Congresso a Lei da Anistia. Final do ano começam a chegar ao Brasil os primeiros exilados. Ainda assim, recrudescia a reação e se sucederiam os atentados a bomba, perpetrados pela direita às bancas de revista que vendiam imprensa alternativa, como Movimento, Em Tempo, Luta Operária, Hora do Povo e Pasquim, que se sucederiam até 1981.

Brizola saíra do Uruguai em 1977, no bojo da crise do então presidente Geisel com seu ministro da Guerra golpista, que queria o Sul “limpo”, asilando-se em Nova York ao amparo do presidente Carter. Ali passou a receber inúmeras lideranças de brasileiros exilados, mesmo do Brasil, e com eles articulando a recriação do PTB.

Internamente, no Brasil, outros grupos apontavam, também, para a reorganização partidária, dentre eles Fernando Henrique Cardoso com seu projeto de Partido Socialista, logo abandonado quando conseguiu uma legenda do MDB para concorrer ao Senado. Em janeiro de 1978, Brizola aceita o convite de Mário Soares para viver em Portugal e de lá empreende várias viagens à França, onde o conheci, já ao lado de Miguel Bodéa e Trajano Ribeiro, e à Alemanha, cujos líderes, lhe abrem as portas da II Internacional.

Aí começa a se gestar a ideia do Encontro de Lisboa, em 1979, para o qual foi decisivo o apoio de Mário Soares. O Encontro, enfim realizado em meados de junho na Sede do Partido Socialista, no Largo do Rato, em Lisboa, foi uma grande festa, embora aninhada em outro tempo. Ingênuo.

A grande preocupação era a redemocratização, não o avanço do neofascismo mundial. Vultos de antes de 1964 como Julião, Neiva Moreira, José Maria, do Binômio, juntavam-se a grandes nomes acadêmicos, como Teotônio dos Santos, Vânia Bambirra e Betinho, oriundos do México, além de Pedro Celso Cavalcante, Moniz Bandeira, Darcy Ribeiro, outros vindos da Suécia, da França etc., todos eufóricos, reunidos com o pessoal do “Cabildo” de Lisboa, dentre os quais mitos da luta armada como Domingos Fernandes, Moema Santiago, Georges Michel, Alfredo Hélio Syrkis (Sirkis, 1950–2020), e alguns do Brasil, destacando-se, sobretudo, o pessoal do Rio Grande do Sul, como Getúlio Dias e Matheus Schmidt, do Maranhão, como Jackson Lago, de Pernambuco, como Osvaldo Lima Filho e Maurílio Ferreira Lima, e do Rio de Janeiro, como Lysâneas Maciel.

No auge de sua popularidade, Brizola estava radiante, descontraído, falando numa linguagem mil km adiante dos próceres do MDB, limitados à discurseira da abertura, apontando para a retomada do Fio da História como o caminho brasileiro para construção do socialismo. Dias de grande júbilo e esperança, sobre os quais minha memória já vai apagando, deixando-me apenas a ilusão de eternidade daquele momento mágico, assim demarcado na Carta de Lisboa.

Paulo Timm é economista aposentado (Escolatina/Chile), fundador do PDT, ex-candidato aos governos de Goiás e do Distrito Federal.

Com informação Monitor Digital


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