TEXTO PARA DISCUSSÃO: O TRANSPORTE FERROVIÁRIO DE PASSAGEIROS ENTRE SÃO PAULO, RIO DE JANEIRO E BELO HORIZONTE

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O objetivo deste artigo é trazer um resumido panorama acerca da atual situação do transporte de passageiros em trens de longa distância no Brasil, especificamente entre as capitais dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, com o objetivo de ajudar a fomentar uma discussão pública sobre o problema e construir propostas para a reativação de um serviço tão relevante.

Do ponto de vista econômico e populacional, tratam-se dos três estados mais importantes do país, responsáveis por mais da metade do PIB brasileiro [1] e concentrando cerca de 74 milhões de habitantes [2], cerca de um terço da população brasileira.

A época de sua extinção, o serviço de passageiros entre as cidades de Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte era efetuado por composições formadas por locomotiva diesel, que tracionava carros de aço inox, fabricados pela empresa americana “Budd”.

Trens parecidos ainda são utilizados atualmente nos EUA pela estatal Amtrak, com conforto e segurança.

A época da extinção dos serviços, já havia por parte da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), a intenção de extinguir o transporte de passageiros em longa distância, por estar supostamente “atrapalhando” o transporte de cargas.

Os serviços disponibilizados pela RFFSA entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, a época eram os seguintes:

Santa Cruz [3]: Ligava Rio de Janeiro a São Paulo, a partir da estação Central do Brasil, na região central da cidade do Rio de Janeiro, seguindo pela Linha do Centro até Barra do Piraí, onde tomava a Linha de São Paulo, que se conectava a malha da CBTU [4], em Itaquaquecetuba, chegando finalmente a Estação da Luz, na região central da Cidade de São (Agência Nacional de Aviação Civil) Paulo.

Foi extinto pela RFFSA em 1991, alegadamente, em razão de um acidente, e nunca mais voltou a circular [5]. Em seu melhor momento, a viagem demorava cerca de 6 horas e chegaram a existir até seis trens regulares diários entre Rio de Janeiro e São Paulo, sempre com grande procura[6].

Vera Cruz [7]: Ligava Rio de Janeiro a Belo Horizonte, a partir da Central do Brasil, região central da cidade do Rio de Janeiro, seguindo pela Linha do Centro até Joaquim Murtinho, onde acessava o ramal de Paraopeba até chegar a Estação Central, na região central de Belo Horizonte, em uma viagem que chegava a durar 14 horas em seu pior momento. Foi extinto em 1990.

Apesar da duração da viagem, o Vera Cruz era muito requisitado, por servir a cerca de 20 cidades no interior, sua supressão gerou muitos protestos a época.

Trem Mantiqueira [8]: Proposto pela RFFSA para ligar Belo Horizonte a São Paulo em nove horas, utilizando-se da Ferrovia do Aço. Partiria da Estação Central, na região central de Belo Horizonte, seguindo pelo ramal de Paraopeba até Jeceaba (MG), onde acessava a Ferrovia do Aço, seguindo até Barra Mansa (RJ), tomava a Linha de São Paulo, que se conectava a malha da CBTU [9], em Itaquaquecetuba, chegando finalmente a Estação da Luz, na região central da Cidade de São Paulo.

O Trem Mantiqueira fez apenas uma viagem, em março de 1990, sendo descontinuado antes mesmo de seu lançamento comercial.

SITUAÇÃO DO TRANSPORTE FERROVIÁRIO DE PASSAGEIROS EM LONGA DISTÂNCIA NO BRASIL E OUTROS PAÍSES

O Brasil segue como um raro exemplo de país onde o transporte ferroviário de passageiros é negligenciado, considerando os dez maiores países em área, é o único onde essa modalidade de transporte praticamente não existe.

Atualmente, no Brasil, com exceção da Estrada de Ferro Vitória a Minas e da Estrada de Ferro Carajás, onde, por força do contrato de privatização, a Vale (antiga Companhia Vale do Rio Doce), opera trens de passageiros, não existem mais serviços regulares de trens de passageiros em longa distância.

Há alguns trens turísticos que são utilizados pelas populações locais como meio de transporte regular, como o “Expresso Serra Verde”, entre Curitiba e Paranaguá, no estado do Paraná.

Para trazer ao leitor a dimensão desse problema histórico, apresentarei, a seguir, uma breve comparação entre a situação do Brasil frente a outros países do mundo.

Para me ater a um critério objetivo, escolhi os dez maiores países em área territorial, para comparação.

Os dados de área territorial e população foram obtidos no site do CIA World Factbook [10] e os dados de IDH foram obtidos no site do Relatório de Desenvolvimento Humano 2015, publicado pelo PNUD [11].

1º Rússia (Federação Russa): Com uma área de 17.098.242 km², a Russia é o país mais extenso do mundo, com população de 142 milhões de pessoas (9º mais populoso) e IDH de 0,798 (alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância na Rússia é provido pela estatal JSC Federal Passenger Company, que atende 85 das 89 regiões russas [12].

2º Canadá: Com uma área de 9.984.670 km², o Canadá é o segundo país mais extenso do mundo, com população de 34 milhões de pessoas (37º mais populoso) e IDH de 0,913 (muito alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância no Canadá é provido pela estatal Via Rail [2], que atende 8 de 10 províncias canadenses [13].

3º China (República Popular da China): Com uma área de 9.596.960 km², a China é o terceiro país mais extenso do mundo, com população de 1.3 bilhão de pessoas (1º mais populoso) e IDH de 0,727 (alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância na China é provido pela estatal China National Railway (CNR), que também fabrica boa parte do material que utiliza. A estatal atende a todo o país (22 províncias, 4 municipalidades, 5 regiões autônomas e 2 regiões administrativas especiais), com exceção de Macau, que é uma ilha.

4º EUA (Estados Unidos da América): Com uma área de 9.371.174 km², os EUA são o quarto país mais extenso do mundo, com população de 318 (3º mais populoso) milhões de pessoas e IDH de 0,914 (muito alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância nos EUA é provido pela estatal National Railroad Passenger Corporation, que opera sob o nome comercial de “Amtrak”, atendendo a 47 de 50 estados [14].

5º Brasil (República Federativa do Brasil): Com uma área de 8.514.877 km², o Brasil é o quinto país mais extenso do mundo, com população de 108 milhões de pessoas (6º mais populoso) e IDH de 0,755 (alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância no Brasil, atualmente, se resume a dois serviços mantidos pela mineradora Vale, em razão do contrato de privatização desta empresa.

O serviço de passageiros da Estrada de Ferro Vitória a Minas [15], que liga Vitória, no estado do Espírito Santo a Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais, servindo também a 30 cidades ao longo da linha e o serviço de passageiros da Estrada de Ferro Carajás [16], que liga São Luiz, no estado do Maranhão a Parauapebas, no estado do Pará, servindo a 15 cidades ao longo da linha.

6º Austrália (Comunidade da Austrália): Com uma área de 7.741.220 km², a Austrália é o sexto país mais extenso do mundo, com população de 22 milhões de pessoas (52º mais populoso) e IDH de 0,935 (muito alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância na Austrália é provido por várias empresas, sendo as principais: Great Southern Rail (privada) [17], NSW TrainLink (estatal) [18], Queensland Rail (estatal) [19], V/Line (estatal) [20],  estas empresas atendem 5 de 6 estados australianos, a exceção é o estado da Tasmânia, que é uma ilha.

7º Índia (República da Índia): Com uma área 3.287.263 km², a Índia é o sétimo o país mais extenso do mundo, com população de 1.2 bilhão de pessoas (2º) e IDH de 0,609 (médio), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância na Índia é provido pela estatal Indian Railways [21] que atende todo o país (29 estados e 7 territórios). A Indian Railways também fabrica boa parte de seu próprio equipamento, através de suas subsidiárias, e é o maior empregador da Índia, possuindo cerca de 1.3 milhão de funcionários [22].

8º Argentina (República Argentina): Com uma área 2.780.400 km², a Argentina é o oitavo país mais extenso do mundo, com população de 43 milhões (31º mais populoso) de pessoas e IDH de 0,836 (muito alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância na República Argentina é provido pelas estatais Trenes Argentinos [23], Ferrobaires [24], Ferrocentral SA [25] e Trenes Especiales Argentinos [26], atendendo 9 de 23 províncias (Buenos Aires, Córdoba, Santa Fé, Chaco, Tucumán, Entre Rios, Salta, Neuquén, Rio Negro).

Sobre a Argentina, cabe dizer que já possuiu a mais extensa e eficiente rede ferroviária da América Latina, sendo considerada, por volta da década de 60, tão eficiente quanto as melhores redes europeias.

9º Cazaquistão (República do Cazaquistão): Com uma área 2.724.900 km², o Cazaquistão é o nono país mais extenso do mundo, com população de 17 milhões de pessoas (64º mais populoso) e IDH de 0,788 (alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância no Cazaquistão é provido pela estatal Kazakhstan Temir Zholy [27], que atende todos os 14 distritos do país.

10º Argélia (República Argelina Democrática e Popular): Com uma área 2.381.741 km², a Argélia é o décimo país mais extenso do mundo, com população de 38 milhões de pessoas (33º mais populoso) e IDH de 0,736 (alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância na Argélia é provido pela estatal Société Nationale des Transports Ferroviaires, que liga a capital as maiores cidades do país.

A FERROVIA NO TRIANGULO ECONÔMICO SÃO PAULO – RIO DE JANEIRO – BELO HORIZONTE

Na Central do Brasil, centro da cidade do Rio de Janeiro, capital do estado de mesmo nome, inicia-se o trecho denominado “Linha do Centro”, da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil (originalmente, Estrada de Ferro Dom Pedro II), atualmente operado pela Supervia, concessionária do serviço de trens urbanos no estado do Rio de Janeiro.

Da Central do Brasil, a linha segue até Japeri, no interior do estado, onde, após algumas centenas de metros, a concessão da Supervia transforma-se na concessão da empresa MRS.

Já como MRS, a Linha do Centro sobe a Serra do Mar até a cidade de Barra do Piraí, onde, no centro desta cidade, bifurca-se.

Para um lado, segue em direção a Minas Gerais, chegando ao centro de Belo Horizonte através de um trecho chamado ramal de Paraopeba, que se inicia perto de Congonhas e para o outro lado, dá origem a Linha de São Paulo.

Já na Linha de São Paulo, em Barra Mansa (RJ), inicia-se a Ferrovia do Aço, que irá encontrar-se com o ramal de Parauapebas na cidade de Jeceaba (MG).

A Linha de São Paulo segue pelo vale do rio Paraíba do Sul em um traçado semelhante ao da BR 116, passando por todas as cidades relevantes do Vale do Paraíba, até chegar a Itaquaquecetuba, onde a concessão da MRS torna-se a CPTM, a concessionária de trens urbanos do Estado de São Paulo.

A partir de Itaquaquecetuba, a linha integra-se na extensa rede da concessionária CPTM, chegando a Estação do Brás (antiga Estação Roosevelt), no centro da cidade de São Paulo.

A Estação do Brás era o ponto final original da Linha de São Paulo, porém, em seus últimos dias, os trens de longo percurso seguiam até a Estação da Luz, também na região central de São Paulo.

ESTADO ATUAL DAS LINHAS

Todas as linhas descritas foram construídas na bitola de 1600 mm (bitola irlandesa), padrão para o Brasil, existem trechos relativamente novos, datando da década de 80 e outros que se aproximam de 100 anos de idade. Com exceção das concessionárias de passageiros (CPTM, CBTU e Supervia), que mantém velocidades de operação pelo menos razoáveis [28], algo entre 70 km/h e 100 km/h, os trechos de carga tem velocidades de operação muito baixas.

As velocidades máximas nos trechos da MRS variam entre cerca de 20 km/h a não mais de 60 km/h, nos melhores locais.

A baixa velocidade dos trechos de carga se explica em razão do estado de conservação das linhas, mantido pelas concessionárias de carga apenas ao mínimo necessário para garantir a circulação de seus trens.

É importante frisar que, a Ferrovia do Aço foi projetada para uma velocidade de 120 km/h [29], mas, hoje a velocidade praticada não passa de 53 km/h.

Na Linha de São Paulo, no passado, trens de passageiros já trafegaram a 140 km/h [30], mas atualmente a velocidade praticada não passa de 50 km/h.

A Linha do Centro, após Barra do Piraí, é extremamente sinuosa, motivo pelo qual, será difícil desenvolver velocidades altas, porém, esta linha atravessa cerca de vinte cidades, então, nesta proposta, irei sugerir que o trem expresso em direção a Belo Horizonte siga pela Ferrovia do Aço, enquanto o paradores siga pela Linha do Centro.

As velocidades atuais dos trechos constam em um documento publicado pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) chamado Declaração de Rede [31].

A ideia deste trabalho é trazer, para a discussão pública, a ideia da reativação do serviço de transporte ferroviário de passageiros entre Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte utilizando-se das linhas que já existem, após as necessárias melhorias, objetivando chegar, onde for possível (Ferrovia do Aço, Linha do Centro e Linha de São Paulo), a uma velocidade operacional, para passageiros de, pelo menos, 80 km/h (oitenta quilômetros por hora), para que seja possível garantir um tempo razoável de viagem.

PROPOSTA PARA A REATIVAÇÃO DO SERVIÇO DE PASSAGEIROS NO TRIANGULO ECONOMICO SÃO PAULO – RIO DE JANEIRO – BELO HORIZONTE

Destacada a atual situação do transporte ferroviário de passageiros no Brasil, segue a proposta de discussão para a reintrodução deste serviço em nosso país.

Procurei formular uma proposta adequada a nossa realidade, capaz de ser efetivamente posta em prática.

Por isso considero utilizar apenas linhas que, embora, precisem de melhorias, visando permitir uma velocidade que torne viável o transporte ferroviário de passageiros, já existem e estão atualmente em uso, ainda que, apenas para transporte de cargas, assim, as mesmas linhas que transportam cargas seriam utilizadas para transportar também passageiros, da mesma forma que é feito em outros países.

Proponho inicialmente dois serviços por dia entre cada uma das capitais dos estados, distribuídos da seguinte forma:

Entre Rio de Janeiro e São Paulo

Um par de trens paradores (um em cada sentido) entre Rio de Janeiro e São Paulo, servindo a cerca de vinte cidades ao longo da linha.

Um par de trens expressos (um em cada sentido) entre Rio de Janeiro e São Paulo, que parariam apenas nestas capitais e mais duas ou três cidades mais relevantes.

A distância de cerca de 450 quilômetros, pode ser razoavelmente percorrida em cerca de 5 horas no caso do serviço expresso e cerca de 7 horas no caso do parador.

Entre Rio de Janeiro e Belo Horizonte

Um par de trens paradores (um em cada sentido) entre Rio de Janeiro e Belo Horizonte, servindo a cerca de vinte cidades ao longo da linha.

Um par de trens expressos (um em cada sentido) entre Rio de Janeiro e Belo Horizonte, que parariam apenas nestas capitais e mais duas ou três cidades mais relevantes.

No caso da interligação entre Rio de Janeiro e Belo Horizonte, os trens expressos seguiriam pela Ferrovia do Aço e os paradores pela Linha do Centro.

A distância, cerca de 629 quilômetros, no caso do expresso via Ferrovia do Aço, pode ser razoavelmente percorrida em cerca de 7 horas e os 647 quilômetros, no caso do parador via Linha do Centro, podem ser percorridos em cerca de 8 horas.

Entre Belo Horizonte e São Paulo

Um par de trens paradores (um em cada sentido) entre Belo Horizonte e São Paulo, servindo a cerca de trinta cidades ao longo da linha.

Um par de trens expressos (um em cada sentido) entre Belo Horizonte e São Paulo, que parariam apenas nestas capitais e mais duas ou três cidades mais relevantes.

No caso da interligação entre São Paulo e Belo Horizonte, os trens expressos seguiriam pela Ferrovia do Aço e os paradores pela Linha do Centro.

A distância, de cerca de 720 quilômetros, no caso do expresso via Ferrovia do Aço pode ser razoavelmente percorrida em cerca de 8 horas e os 910 quilômetros, no caso do parador via Linha do Centro, podem ser percorridos em cerca de 12 horas.

TIPOS DE TRENS

Considerando alto o custo para eletrificar todos os trechos necessários à realização do projeto, irei desconsiderar, inicialmente, o uso de trens elétricos.

Existem essencialmente, dois tipos de trens movidos a diesel, que são utilizados atualmente para o transporte de passageiros, são eles:

Trens formados por uma ou mais locomotivas diesel e carros de passageiros independentes, formando composições de acordo com a necessidade do serviço, são utilizadas, com sucesso, em vários serviços em todo mundo e no Brasil pela concessionária Vale em seus trens na Estrada de Ferro Vitória a Minas e na Estrada de Ferro Carajás, além de inúmeros trens de caráter turístico.

Trens Unidade Diesel (TUD), que são trens mais leves, compostos por vários carros modulares, alimentados por um ou mais motores diesel, que funcionam como uma única unidade, podendo ser acoplados em conjuntos de unidades, tais equipamentos também são utilizados em vários países com sucesso.

A determinação do equipamento mais adequado dependerá de estudo que deverá ser feito, considerando custos, manutenção, durabilidade, etc.

O TREM PENDULAR

Trem pendular é um trem que dispõe de um mecanismo que permite ao corpo do carro inclinar-se lateralmente, com o objetivo de compensar a força centrífuga nas curvas e permitir velocidades maiores em linhas ferroviárias convencionais, que não foram feitas para trens de alta velocidade.

Um carro de passageiros tradicional, em razão da força centrífuga, tende a se inclinar para fora da curva, o que pode, dependendo da velocidade, causar um acidente, já o carro com tecnologia pendular possui um mecanismo que compensa a força centrífuga, fazendo com que a inclinação ocorra para dentro da curva, permitindo uma velocidade maior em trajetos mais sinuosos, como os que existem na linha do centro.


Figura 1: Inclinação em uma curva de um carro de passageiros normal e um com tecnologia pendular (Talgo).

O uso desse tipo de trem permite grande economia de recursos financeiros, pois desenvolve uma velocidade maior em linhas com traçado desfavorável, dispensando o redesenho das linhas ou a construção de novas.

Para ilustrar essa diferença entre o sistema pendular e o convencional, tomemos determinado trecho onde a Amtrak utiliza trens pendulares do fabricante espanhol Talgo (Talgo), na costa oeste dos EUA, em um serviço entre Vancouver no Canadá e a cidade estadunidense de Portland, no estado do Oregon.

Como se pode ver por esta placa (Figura 3), próxima à cidade de Ridgefield, estado de Washington (EUA) (Graf, 2013), a velocidade máxima, em determinado local, para trens de carga (freight), é de 60 milhas por hora (96 km/h), para trens de passageiros convencionais (passenger), 70 milhas por hora (112 km/h) já os trens Talgo, que contam com a tecnologia pendular, são autorizados a chegar a 79 milhas por hora (127 km/h).


Figura 2: Placa de velocidade próxima a Mill Street, em Ridgefield, estado de Washington (EUA)

Um exemplo de sucesso na utilização dos trens pendulares em linhas convencionais é o serviço Amtrak Cascades, que, utilizando composições Talgo Series IV, tracionadas por locomotivas diesel, liga a cidade canadense de Vancouver, na Columbia Britânica a Eugene, no estado do Oregon (EUA), percorrendo 752 quilômetros.


Figura 3: Amtrak Cascades na estação de Everett, no estado de Washington, ao fundo, Sounder Train, que liga Seattle a Everett e Lakewood (SoundTransit).

PRESTAÇÃO DO SERVIÇO

Proponho que o serviço seja, como em outros países do mundo, prestado por uma estatal que já exista, como a CBTU (CBTU) ou a Valec (VALEC), ou ainda, através de algum tipo de parceria com a iniciativa privada.

VIABILIDADE

O eixo São Paulo – Rio de Janeiro – Belo horizonte concentra algumas das rotas mais utilizadas no Brasil, sendo a ponte aérea Rio de Janeiro – São Paulo uma das mais movimentadas do mundo e a mais movimentada da América Latina, transportando cerca de 4 milhões de pessoas no ano de 2017 [32].

Além da ponte aérea Rio de Janeiro – São Paulo, as rotas aéreas entre Belo Horizonte e São Paulo e Belo Horizonte e Rio de Janeiro também são muito movimentadas, conforme pode-se observar abaixo:

Rota aérea Passageiros [33] (2017)
São Paulo → Rio de Janeiro3.428.362
Rio de Janeiro → São Paulo3.480.250
Belo Horizonte → Rio de Janeiro

628.316

Rio de Janeiro → Belo Horizonte630.992
Belo Horizonte → São Paulo1.565.044
São Paulo → Belo Horizonte1.557.304

Também o transporte rodoviário de passageiros entre as regiões estudadas é bastante movimentado, como mostram os dados da ANTT para 2017.

Rota rodoviáriaPassageiros [34] (2017)
Eixo São Paulo – Rio de Janeiro1.357.989
Eixo Belo Horizonte – São Paulo609.173
Eixo Belo Horizonte – Rio de Janeiro963.238

Assim, considerando-se o expressivo número de deslocamentos entre as regiões estudadas, não resta dúvida de que o transporte ferroviário de passageiros, se adequadamente estruturado, servirá como elemento dinamizador da economia e do turismo, especialmente nas pequenas cidades ao longo da linha.

O trem mostra-se uma opção valiosa, sendo capaz de disponibilizar não apenas uma opção mais confortável e possivelmente mais barata que o ônibus, como também mais rápida e mais segura.

Além disso, há também um fator psicológico, muitas pessoas preferem o transporte ferroviário ao transporte rodoviário [35].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trem, em todas as sociedades desenvolvidas, ou que almejem o desenvolvimento, representa uma ideia de segurança, facilidade e conforto.

Assim, os Estados nacionais, mesmo nos países mais pobres, como Índia ou Argélia, procuram cuidar para que a ferrovia nacional proporcione a população um transporte barato e confiável, que possa ser utilizado por todos e integre o país, servindo como elemento simbólico, espiritualizador, da nacionalidade e da presença ativa do Estado no processo da construção do desenvolvimento e do bem estar.

Eu creio que o reestabelecimento do transporte de passageiros por trens entre as três mais importantes capitais do país pode ajudar a promover a ideia de reconstrução nacional, de união e de efetiva melhoria nas condições materiais de existência da população.

É uma proposta simples e com custo relativamente baixo, que se eventualmente vier a ser implantada com sucesso, poderá a ser expandida, chegando, em algum momento, a integrar todo um país de dimensões continentais como o nosso Brasil.

Uma ferrovia que funciona é um símbolo de uma sociedade que funciona.

IMAGENS

Figura 4: Trechos envolvidos na proposta: Linha do Centro (verde e azul), Linha de São Paulo (vermelho), Ferrovia do Aço (amarelo), Ramal de Paraopeba (azul claro).
Figura 5: Trem Santa Cruz na estação da Luz (São Paulo – SP) , década de 70 (foto de Guido Motta)
Figura 6: Locomotiva Diesel tracionando carros de aço inox na extinta RFFSA (foto de Flávio F. Lage – 1985)
Figura 7: Locomotiva diesel tracionando carros de aço inox “Amfleet” (Amtrak – EUA)

Figura 8: Trem Unidade Diesel Bombardier Velocity 160 (Vline – Austrália)


Figura 9: Interior do Bombardier Velocity 160 – (V/line – Austrália)
Figura 10: Interior de carro Amfleet – (Amtrak – EUA)
Figura 11: Placa de velocidade utilizada à época do extinto Trem de Prata, serviço de caráter turístico que operou ligando Rio de Janeiro a São Paulo, entre 1994 e 1998 (Foto de José Campos)
Figura 12: Trem Santa Cruz cruzando a região do Brás (São Paulo – SP), década de 70 (foto de Sergio Martire).

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[1] IBGE 2014

[2] IBGE 2012

[3] BUZELIN, José Emílio de Castro H. Carros Budd no Brasil – 1. Rio de Janeiro: Memória do Trem, 2002. p. 71.

[4] Atualmente a malha pertence a CPTM.

[5]

[6] BUZELIN, José Emílio de Castro H. Carros Budd no Brasil – 1. Rio de Janeiro: Memória do Trem, 2002. p. 72.

[7] BUZELIN, José Emílio de Castro H. Carros Budd no Brasil – 1. Rio de Janeiro: Memória do Trem, 2002. P. 92.

[8] BUZELIN, José Emílio de Castro H. Carros Budd no Brasil – 1. Rio de Janeiro: Memória do Trem, 2002. p. 102

[9] Atualmente a malha pertence a CPTM.

[10] CIA World Factbook. Disponível em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook

[11] PNUD. Ranking IDH Global 2014. Disponível em: http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/ idh0/rankings/idh-global.html

[12] Joint Stock Company Federal Passenger Company. Disponível em: http://pass.rzd.ru

[13] Transport Canada. Disponível em: http://www.tc.gc.ca

[14] National Railroad Passenger Corporation (Amtrak). Disponível em: http://www.amtrak.com

[15] Trem de passageiros da Estrada de Ferro Carajás. Disponível em:  http://www.vale.com/brasil/PT/business /logistics/railways/Passenger-Train-Vitoria-Minas/Paginas/default.aspx

[16] Trem de passageiros da Estrada de Ferro Carajás. Disponível em: http://www.vale.com/brasil/PT/business /logistics/railways/Passenger-Train-Service-Carajas/Paginas/default. aspx

[17] Great Southern Rail. Disponível em:  https://www.greatsouthernrail.com.au

[18] NSW TrainLink. Disponível em: https://transportnsw.info

[19] Queensland Rail. Disponível em: http://queenslandrail.com.au

[20] V/Line. Disponível em: http://www.vline.com.au

[21] Indian Railways. Disponível em: http://indianrailways.gov.in

[22] Indian Railways Statistical Publications 2016-17. Disponível em: http://www.indianrailways.gov.in/ railwayboard/uploads/directorate/stat_econ/IRSP_2016-17/Annual_Report/ Accounts_Eng/ Statistical_Summary.pdf

[23] Trenes Argentinos. Disponível em: http://trenesargentinos.gob.ar/portal/index.php

[24] Ferrobaires. Disponível em: http://www.ferrobaires.gba.gov.ar

[25] Ferrocentral S.A. Disponível em: http://www.ferrocentralsa.com.ar

[26] Trenes Especiales Argentinos. Disponível em: http://www.trenesdellitoral.com.ar

[27] Kazakhstan Temir Zholy. Disponível em:  http://www.railways.kz/en

[28] Considerei velocidade razoável aquela que permita ao modal ferroviário um tempo de viagem pelo menos igual ao tempo de viagem do modal rodoviário.

[29] BUZELIN, José Emílio de Castro H e outros. A Ferrovia de Minas, Rio e São Paulo. . Rio de Janeiro: Memória do Trem, 2002. P. 49.

[30] BUZELIN, José Emílio de Castro H. Carros Budd no Brasil – 1. Rio de Janeiro: Memória do Trem, 2002. P. 79.

[31] ANTT. Declaração de Rede 2017. Disponível em: http://www.antt.gov.br/ferrovias/arquivos/Declaracao _de_Rede__2017.html.

[32] ANAC. Dados Estatísticos do Transporte Aéreo. Disponível em: http://www.anac.gov.br/assuntos/dados-e-estatisticas/ dados-estatisticos/dados-estatisticos

[33] ANAC. Dados Estatísticos do Transporte Aéreo. Disponível em:  http://www.anac.gov.br/assuntos/dados-e-estatisticas/ dados-estatisticos/dados-estatisticos

[34] ANTT. Estatísticas e Estudos Rodoviários – Dados Operacionais. Disponível em: http://www.antt.gov.br/ passageiros/Dados_Operacionais

[35] Reconnecting America. Bus or Rail: An Approach to Explain the Psychological Rail Factor. Disponível em: http://reconnectingamerica. org/resource-center/browse-research/2012-2/bus-or-rail-an-approach-to-explain-the-psychological-rail-factor/

SOBRE O AUTOR

Ariobar Lima Pontes, 44 anos, é natural do Rio de Janeiro, formado em Direito, trabalha com redes de computadores e pesquisa sobre as ferrovias no Brasil há alguns anos.

Outras áreas de interesse: educação, saneamento, habitação, urbanismo, transporte público e políticas de saúde.


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