Roberto Requião – Sempre a Mesma Coisa, a Mesma Merda, Sempre.

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Não me desculpo pela palavra pouco elegante no título. Não é a quarentena que me irrita. É a peculiaríssima propensão dos brasileiros – especialmente os que habitam o espaço político à esquerda – de recaírem sempre, e sempre na mesma esparrela que me tira do sério.

Aproveitando os dias em casa para organizar arquivos, deu-se me à mão um texto que publiquei, em um dos jornais de Curitiba, no dia 18 de julho de 1984. Há 36 anos ! Derrotada a emenda constitucional que restabeleceria as eleições diretas para presidente da República, discutia-se o que fazer. E aí se revelava o embuste tão costumeiro em nossa história.

No artigo, deplorava que, na sofreguidão de se buscar o próximo passo, sacassem o rançoso apelo “à união de todos”, mesmo que isso pudesse significar um passo atrás na luta para dar o golpe final no regime militar. Enfim, propunha-se enfiar no mesmo bornal toda sorte de felinos; ou seja: uma frente sem propostas e sem princípios. Já uma outra vertente queria simplesmente chutar o pau da barraca.

Diante do impasse, eu perguntava e respondia: “Estamos, então, sem saída? Não. Temos saídas ética e politicamente corretas”. E lembrava os conceitos de Aristóteles de ato meio e atos extremos.

No caso, o ato extremo de covardia era a conciliação com os conservadores, abrindo mão da possibilidade de vitória, por medo ou por conluio com a ditadura. O ato extremo de temeridade era a irresponsabilidade de se propor uma radicalização extemporânea, inconsequente.

Já o ato meio significava avançar, consolidar o avanço, retomar a marcha e conquistar o próximo objetivo. Para tanto, eu propunha um programa mínimo, em torno do qual deveriam se reunir os brasileiros comprometidos com a soberania e o desenvolvimento nacional, com a renegociação da dívida externa, com o direito dos trabalhadores, com uma política de emergência para a geração de empregos, com as liberdades democráticas, com a reforma tributária, com a reforma política e assim por diante.

Enfim, deixava claro naquele artigo de 36 anos atrás que uma frente sem projeto, sem princípios, sem um programa mínimo, sem uma clara linha econômica nacionalista, democrática e popular, não era uma frente.

Assim como hoje a reunião de políticos frouxos, pusilânimes, disponíveis e desfrutáveis com um amontoado de oportunistas, com as madalenas hipoteticamente arrependidas, com os assassinos de reputações, com os ditos liberais, com os mercadores e rentistas, com banqueiros e ex-banqueiros, com animadores de auditório, com ex-presidentes e ex-ministros que atentaram contra o Estado Nacional e alienaram a nossa soberania, não é uma frente. É uma súcia que, mais uma vez, se aproveita de uma situação dada para fazer com que tudo permaneça como sempre foi.

Há quem diga: não seja tão radical, nesse balaio tem muita gente boa, gente bem intencionada, ingênuos, mas puros de alma e de intenções.

Pode ser, conceda-se. Mas, para que serve a história, então ? Para que servem as experiências passadas? Ou seria a tal da ignorância córnea que impede se inculque na cabeça dos “bem intencionados” um mínimo de lógica e racionalidade ?

Sob que guarda-chuva os defensores dessa frente ampla, irrestrita querem abrigar os brasileiros ? Sob o guarda-chuva da defesa da democracia.

Que democracia ? A democracia do mercado ? A democracia da prevalência do capital financeiro sobre os interesses nacionais e populares, sobre a produção, o emprego, o salário, os direitos trabalhistas e a previdência social?

Sufocado pela angústia de ver mais uma vez desperdiçada uma oportunidade histórica, pergunto: o ministro da economia de vocês, em um hipotético governo de união nacional, seria o Guedes mesmo ? Ou, para não escandalizar tanto os seus acompanhantes que se dizem à esquerda, vocês se contentariam com o Armínio Fraga, o Lara Rezende, alguém do Itaú ou do Bradesco ?

Precisamos de propostas, não de um discurso vazio repleto de assinaturas. Precisamos de um projeto nacional, que se comprometa com um programa mínimo, como este e que promova:

. no campo econômico, um câmbio competitivo e controlado, uma nova política monetária que traga os juros aos níveis internacionais e a troca da lógica da atração da poupança externa pela enorme poupança interna, que será liberada pela conversão da dívida pública em investimentos;

. no campo trabalhista, a promoção constante do fator trabalho no processo produtivo, através de uma política que valorize o emprego, o salário mínimo e as relações trabalhistas;

. no campo educacional, a construção de um sistema educacional que garanta, no mínimo, uma década e meia de bancos escolares à população, a reformulação de currículos, a valorização do magistério e o fomento à pesquisa científica;

. no campo fundiário, a elaboração de um plano de ocupação do território, que valorize a agricultura e preserve o meio ambiente e envolva desde ações de ordenamento territorial até políticas de ocupação dos espaços;

. no campo da infraestrutura, o planejamento de longo prazo e a elaboração detalhada de projetos de engenharia;

. no campo industrial, a implantação dos setores tecnológicos de ponta, lembrando que o mundo pós pandemia exigirá autonomia industrial em quatro complexos produtivos: agroindústria, energia, saúde e defesa, para ser realmente um país soberano;

. no campo externo, uma estratégia geopolítica que preserve a nossa soberania e ações diplomáticas que afirmem nossa liderança no mundo latino;

. no campo da cultura e da arte, a retomada, a renovação e a ampliação de programas de apoio e incentivo ao setor, assim como o resgate e o fortalecimento das estruturas pública que lhe dão suporte. A cultura, como o cimento da nacionalidade, a linha que nos une, eleva e promove, é tão essencial quanto a economia e a política;

. combate à corrupção como política Estado, implacável, mas justa; que tenha como preceitos a defesa da soberania nacional, a garantia dos direitos e interesses dos brasileiros;

. referendo revogatório para submeter à decisão dos brasileiros todas as medidas atentatórias à soberania nacional e aos direitos dos trabalhadores tomadas desde o governo produto do golpe de 2015/2016.

Em síntese, nossa missão é construir um projeto nacional que dê ao povo brasileiro emprego, educação, saúde, segurança, cultura, uma boa moradia provida de água, esgoto, energia e dos meios modernos de convivência social e não um documento vazio que fala em defender o indefensável.

Não queremos uma frente de assinaturas em um documento oco de ideais e propostas. Não queremos uma frente que, de tão elástica, liquefaz-se pela sua insubstância.

É claro que devemos enfrentar os fascistas, os milicianos, essa horda de insensatos que sonha com uma ditadura cívico-militar. É claro. Mas, na verdade, parte dos que lançam a ideia da união nacional pela democracia criticam Bolsonaro, filhos e os celerados que os cercam não pela agenda econômica, política e social que executam. E sim pelos maus modos à mesa, pelos arrotos e palavrões. Não se opõem ao reinado de Mamon, defendem a PEC dos Gastos, as reformas trabalhista e previdenciária, as privatizações, o arrocho salarial, a criminalização dos sindicatos e dos movimentos sociais, a entrega do petróleo, a abdicação da soberania nacional.

Alguns dos pressupostos para a formação de uma frente nacionalista, democrática e popular, estão aqui. Lanço-os para o debate. A organização e mobilização de uma frente com essas características, reunindo partidos, sindicatos, associações profissionais, igrejas, entidades estudantis, universidades, personalidades da vida política e das ciências, intelectuais e acadêmicos deve-se constituir em um sólido muro contra o avanço antidemocrático.

Não queremos assinaturas, manifestos ou proclamações. Queremos ação.

Quem se habilita ?

Com informações Nocaute


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