Piterson Hageland — A sociedade “medrosa” transforma o voto em peça de artilharia contra Jair Bolsonaro

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Em um país dissimulado e violentamente estúpido como o Brasil — onde o Vice-presidente da República declara que o preconceito racial é uma simples abstração forjada —, os tais pusilânimes efetuaram uma investida surpreendente contra um dos maiores infradotados da história do Poder Executivo Federal: optaram por candidatos sem alianças com Jair Bolsonaro no primeiro turno das eleições municipais deste horrível ano de 2020. O cilício foi tão inebriante que a população taxada de covarde pelo murganho que reside no Palácio da Alvorada não hesitou em transformar seu voto em propelente a fim de neutralizar os que menosprezam as disfunções que a realidade mórbida vem acarretando em todo o país.

O misólogo, atualmente paramentado com o título de Chefe da União, provavelmente irá disputar o certame de 2022, dado que jamais omitiu sua vontade esquizoide de permanecer involuindo a nação brasileira. O fracasso de seus epígonos no último 15 de novembro é profundamente incapaz de modificar tamanha veleidade. Nada obstante, a sociedade notificou a Jair Bolsonaro que a renovação de seu mandato exige que atitudes responsáveis e produtivas sejam desempenhadas ao invés de uma pilha de motejos; inanidades; fricotes e parvoíces a cada discurso. O Amapá ilustrou sua ojeriza de maneira indubitavelmente singular — e fora das urnas.

Ostentando o seu altíssimo grau de ignorância metastática pela enésima vez, Jair Bolsonaro age como se toda a sua gestão fosse radiante e benemérita. Tal comportamento, no entanto, é rigorosamente premeditado; não é à toa que, após ser retalhado pelo veredito que confirmou a derrota de seus postulantes nas cinco regiões do país, o comensal idólatra de antimaláricos ordenou aos seus estafetas que deletassem urgentemente das redes (antis)sociais as suas publicações de enaltecimento àquela farândola de malsucedidos, indicando-os ao comando das prefeituras mediante sufrágio universal. De qualquer forma, o ambiente digital não é como uma folha de papel que oferece a chance de apagar o que foi ortografado. A desenvolução tecnológica certifica que os dados expostos no ciberespaço possuam mais dificuldades de serem inteiramente removidos. Se Bolsonaro não execrasse conhecimentos básicos de modo tão paleolítico, saberia disso com facilidade.

Dentre todos os laivos do estentórico revés no domingo retrasado, o pior foi, sem dúvida, o naufrágio rumo ao Edifício Matarazzo. O capitão sem bússola, que ornejava ser a própria Constituição, submergiu com seu jagunço recém-contratado da imprensa marrom, de nome Celso Russomanno. Ainda reproduzindo uma versão deformada de Luís XIV, Jair Bolsonaro foi registrar seu desconcerto nas trincheiras virtuais do pardal azul e, sorrateiramente, lançar perdigotos na facção de Bruno Covas. O dirigente do Palácio do Planalto afirmou que o então Governador de São Paulo em 2016, Geraldo Alckmin, elegeu João Dória — seu potencial adversário em um biênio — ao cargo de prefeito da Terra da Garoa com maestria; porém, não obteve 5% da aquiescência popular em 2018. Bom, considerando que as alogias de Bolsonaro dão origem a uma crença inabalável na “fraude dos processos eleitorais do Brasil”, Alckmin pode ter sido vítima de uma conspiração que extraviou o juízo popular em seu favor. A paralaxe cognitiva (sic) dos terraplanistas não descartaria uma fábula tão perniciosa à razão…

Em todas as instâncias da política, não há quem as ocupe tão mal quanto os apedeutas que desmerecem um povo legitimamente insatisfeito. Até Guilherme Boulos — rotulado como invasor de domicílio pelos energúmenos que desconhecem os benefícios de uma reforma agrária — já dispõe de uma relevante anuência dos paulistanos devido ao seu programa de governo abordando meios reais de afastar as turbulências que a sindemia continua provocando impetuosamente. Todavia, Jair Bolsonaro reitera, no vértice de sua psicose, que os canhotos falharam em um nível antológico. A debilidade mental do Comandante Supremo das Forças Armadas também ilustra porque ele não consegue entender que a simpatia ocasional dos cidadãos por Bruno Covas é resultado de uma conduta minimamente impoluta como alcaide da principal metrópole brasileira. Se Covas trocasse a expressão “fique em casa” por “isso não passa de uma gripezinha”, amargaria um fiasco retumbante igual a Celso Russomanno, excluído da segunda etapa por quase 90% dos eleitores.

Nas imediações do Rio de Janeiro, capital da unidade federativa homônima e outrora do Brasil, este percurso é deliberadamente similar. Não existe mecanismo que vaporize os desfalques que Eduardo Paes cometeu durante 2009 e 2016 quando era inquilino da Gávea Pequena; entretanto, os cariocas já revelaram que preferem um sujeito que (aparentemente) faça pouco do que um aliado confesso de Jair Bolsonaro e que trabalha exclusivamente para a corporação de sua família, sob a alcunha de “Igreja Universal do Reino de Deus”. Apenas uma benesse celestial mudaria o destino político de Marcelo Crivella a essa altura do campeonato — ou a enxurrada de mentiras que o bispo neopentecostal fabrica sem a menor deferência pela Bíblia.

Para não indeferir completamente as alegações do refratário de Brasília, é preciso destacar que a esquerda, em sentido amplo, realmente não logrou êxito percentual na manutenção de suas credenciais em gabinetes e assembleias. Os números superlativos que endossaram a propaganda de aspirantes famosos e estenderam a validade dos diplomas de autoridade pública de outros iludem ao ponto de nublar o baixíssimo coeficiente de seus partidos ao longo do evento. Mas a intempérie neoliberal que outorgou Jair Bolsonaro a assinar o Termo de Posse em 1 de janeiro de 2019 com sua famigerada caneta esferográfica já vinha implodindo antes da redução aritmética de seus desafetos. O direitismo frenético, marchetado na política situacional vigente, se dissolve na medida em que a oposição de diferentes setores evolui. Isso abrange os grupelhos do maldito “Centrão”, que utilizaram a vacuidade neoconservadora tão somente para resguardar seus privilégios. Sendo Bolsonaro um arquétipo do orate confeccionado por essas seitas que repudiam a propedêutica e a epistemologia, sua capacidade de perceber tantas insídias é nula. Seria melhor não ter apoiado ninguém, como havia proclamado anteriormente.

Os efeitos causados pelo negacionismo sanitário — e científico em geral — somados ao fanatismo ideológico extremamente lúrido e superficial já iniciaram a execução das sentenças que aplicará na casta de demagogos da “nova política” o mesmo veneno que esses facínoras destilaram pelo Brasil. Vociferando o lema “Deus, Pátria e Família” sem o objetivo de reacender o distributismo dos integralistas, Jair Bolsonaro parte em busca da materialização do dogma que estabelece as cédulas de votação impressas. Seu plano regressista não consiste unicamente em deduzir que o retrocesso é um fenômeno do desenvolvimento, e sim para tentar impedir um final semelhante ao de Donald Trump, seu estimado patrão que almeja ser defenestrado da Casa Branca. A iminente aproximação de Bolsonaro com o Kremlin de Vladimir Putin é o seu álibi derradeiro na construção de um sonho que prevê um matrimônio ridículo de toda a sua linhagem sinuosa com o orçamento nacional até que a morte os separe. Independentemente destas utopias, os brasileiros não querem custear os festejos nupciais da máfia internacionalista que se diz patriota e ironiza as mazelas socioeconômicas.

Autor do Texto: Piterson Hageland — Jornalista literário no segmento metapolítico e sociocultural. Pesquisador de assuntos históricos, filosóficos e aspectos econômicos do Brasil e da Ásia Oriental. Colaborador de periódicos geopolíticos e podcasts. Tradutor, locutor e dublador ocasional. Membro da Ordem dos Jornalistas do Brasil (OJB).


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